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Seu próprio pôr do sol

Sigo meu caminho, olhando atentamente para as flores vermelhas daquele jardim. Meu percurso preferido consistia em cruzá-lo, andando por uma trilha mal movimentada entre as flores e arbustos. Muitas vezes eu acreditava ser a única transeunte que ousava pisotear aquela trilha de terra batida.

No final do caminho, meu ateliê espera por mim, um pequeno cômodo velho no fundo da fazenda que eu havia acolhido como meu, as paredes cinzas eram desbotadas e algumas plantas trepavam pelas janelas trincadas, criando assim um ambiente hostil e um pouco amedrontador.

Mas abrindo aquela porta gasta de madeira, eu me encontrava. As paredes tinham manchas coloridas de respingos de tinta que eu mesma havia jogado. Uma mesa repleta de papéis, tintas, pinceis e rascunhos ficava no canto, ao lado de uma pia velha toda manchada onde eu lavava meus pincéis. Meu cavalete e meu banco de madeira me esperavam. Sentei naquele banco que meu pai havia feito e senti o ambiente a minha volta.

A luz da manhã entra pelas grandes janelas, deixando minha tela mais branca do que realmente é. Puxei o lápis que prendia meu cabelo sentindo os fios caírem soltos pelas minhas costas, usava meu lápis preferido para prendê-lo, assim seria mais fácil levar o lápis para qualquer lugar. Olhei para a tela branca e para minhas mãos calejadas. Não sabia o que desenhar, o que pintar. Minha mente parecia mais vazia do que a própria tela.

Encontro-me então naquele estado de estupor pela pintura, a pura vontade de criar e ilustrar, mas nada surge em minha mente para sair de meus dedos até a tela. Me pergunto se os grandes pintores chegavam a esses momentos, tanta vontade de criar, mas nada para transpassar.

Em algum lugar no jardim, um pássaro se pôs a cantar alegremente. Ouvindo seu canto, um pequeno pássaro azul pousa em minha mente, tão delicado e frágil. Seu doce som ecoava pelos tuneis da minha imaginação. Deixo-me levar por sua música, tão bela, tão pura e tão profunda. Aquele pequeno animal simplesmente produzia suas notas sem sequer precisar de estudos sobre música.

Ouço novamente o silêncio com apenas o rabiscar do meu lápis na tela conforme o pássaro se cala e alça voo para fora da minha mente, restando-me apenas uma pequena pena azul-celeste em cima de um galho florido de ipê-amarelo.

Toda a beleza das folhas amarelas havia sido ofuscada pelo azul cantante, mas agora, deixo de divagar nas cores do céu e atinjo a terra, encontrando a flora colorida como é. Os cheiros da primavera florida estavam me cercando o tempo todo desde que abri as janelas. Eu só não havia me permitido sentir. Aquelas cores dispostas em pétalas com um fundo verde inundam meu pequeno ateliê, levando-me aquele estupor primaveril em tons de vermelho, laranja e amarelo.

Aos poucos a sensação das cerdas do pincel tocando a tela começam a tomar conta dos meus dedos e começo a pintar o rascunho feito a lápis. Com o fim da tinta amarela, chega o fim do dia. Marcado pelo sol se pondo, tornando aos poucos as paredes cinzas em douradas. Meu quadro, acompanhado da luz, toma um tom alaranjado brilhante, como se seu próprio sol se punha na tela atrás do alegre pássaro azul deitado em seu ninho entre as folhas coloridas.