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Ondas, algas e corais

No escuro do quarto, a luz da lua que entra pela janela parece brilhar como o sol. Eu estou deitado na cama, apenas encarando a lua rodeada de estrelas, não consigo deixar de lado a minha vontade de contá-las todas. Será que há uma para cada pessoa, ou mais? Eu sei que há mais.

Durante a noite o mar fica mais bonito. Da janela do meu quarto, olhando diretamente para a imensidão do oceano, não de noite, mas durante o dia eu já poderia observar a curvatura da terra bem distante de mim. Cada noite que eu passei observando o mundo pela minha janela, conta uma história. Já vi vários casais apaixonados se beijando na areia, no mesmo lugar que na noite passada um cachorro pulguento deitou e se coçou.

Hoje a praia está vazia. A única coisa que vejo da janela são as ondas, elas se formam lá longe e vem com violência, correndo como o vento. Passando por cima dos finos grãos de areia. Jogando-os para os lados, destruindo castelos construídos por crianças. A lua lá em cima ilumina a água salgada, fazendo com que o oceano se torne prateado. Com a janela aberta, consigo sentir o cheiro do mar. Um perfume de água salgada e areia molhada. Cheiro pungente de peixes. Um aroma de algas no fundo do mar.

Bem ao longe, posso ver um navio, navegando calmamente pelas águas. O quão distante precisamos ir para o mar mostrar sua verdadeira face? Deixar de ser apenas ondas calmas e relaxantes para se tornar montanhas de metros de altura, capazes de virar barcos e transformar mulheres em viúvas?

Os buracos dos caranguejos na areia se tornavam quase invisíveis no escuro. Poucas vezes eu conseguia ver alguns pequenos vultos saindo por esses buracos. A calada na noite é quando os caranguejos andam livremente pela praia a procura de comida, principalmente depois da maré alta, que é quando o mar traz alimento para seus filhos terrestres.

Há um banco velho de madeira que fica no limite da maré alta. A madeira está gasta e castigada pela maresia, anos embaixo do sol sentindo o sal bater em si como chicote, fizeram o velho banco se tornar frágil e horrendo. Não ouso me sentar nele, pois a madeira gasta se quebraria com muita facilidade. As cracas grudadas em suas pernas e os buracos feitos na madeira transformaram aquele velho banco em uma imagem surreal para mim, em um deus.

Me sinto atraído pela paisagem do mar. O velho deus de madeira, as casas dos caranguejos, os delicados grãos de areia. Os marinheiros solitários ao fundo. O salgado aroma. 

Uma única vez, eu presenciei o momento em que as pequeninas tartarugas saiam de seus ovos dentro da areia e seguiram em uma corrida contra a morte até o mar. Foi um momento memorável da minha vida. Aqueles pequenos seres, todos irmãos, correndo sem nem saber que eu os assistia viver. Correndo sem nem saber se conseguiriam viver, alguns seriam sortudos e chegariam até o mar, para talvez serem comidos por algum animal maior. Outros seriam comidos ainda na areia. Era triste? Sim, sempre foi e sempre será.

Todos esses meus pensamentos, saídos todos do mesmo lugar. Saídos do mar.

O quebrar do pequeno ovo de uma tartaruga me fazia pensar sobre a minha própria existência. E então as cracas, grudadas em um banco velho e pútrido, faziam com que eu repensasse meus planos para o futuro.

O meu mundo roda de fato pela janela do quarto. Olhando por ela, sentindo a brisa que entrava. 

O leve vento salgado e perfumado que toca minha pele como o beijo de uma dama me deixa leve, quase etéreo.

O meu completo ser é apaixonado pelo mar. Por tudo que ele traz. Simplesmente sou assim. O mar me atrai bem mais que a terra, e a culpa é minha.

Eu estive na frente dessa janela a minha vida toda, observando o mundo passar, analisando o mar viver sua história milenar. Cresci sentindo a maresia arder em minha pele.

E agora, nessa etapa da vida vejo o mar como uma mulher. As ondas são as curvas de seu corpo, a flora marinha é o belo vestido que complementa seu ser. O perfume salgado dessa mulher faz com que eu me sinta um jovem sem limites, louco para viver a adrenalina do amor. Talvez o mar seja realmente uma mulher, chamando os solitários apaixonados para nadar em seu corpo. Como me chama agora, dançando despretensiosamente sob a luz da lua.

Fecho a janela bruscamente e puxo a cortina, a luz da lua só entra por pequenos vãos da persiana. Cada vez mais eu sinto o mar me puxar, me atrair, mas eu sei que essa mulher é uma sereia. Me atraindo com sua bela canção, prometendo maravilhas e desejos, esperando eu me entregar para me levar até o fundo e acabar com minha sofrida existência. Talvez um dia eu me entregue para essa mulher, talvez um dia eu goze com os prazeres da vida subaquática.

Deito na cama, os pensamentos a mil. Que ser humano sou eu? Apaixonado pela indomável imensidão azul? Vendo-o como uma bela mulher. Me coloco de pé, na frente do espelho. Mesmo no escuro consigo ver minhas feições. O rosto delicado, com as bochechas acentuadas e os olhos grandes. Meu cabelo bagunçado, há dias sem pentear, parece cumprido de mais. E meus olhos estão inchados e vermelhos, combinando com olheiras enormes de dias sem dormir. Eu estou ficando louco?

Saio do quarto sem fazer som algum. Mesmo morando sozinho, a ideia de sair da casa no meio da madrugada me traz lembranças da infância, tentando fugir sem que meus pais me ouçam. Tive a sensação de que a qualquer momento minha mãe apareceria e me mandaria de volta para o quarto. Mas não, agora eu estou sozinho.

Desço as escadas em silêncio. Passando em frente a outros apartamentos, nos quais pessoas dormem, sem terem ideia do que eu estou prestes a fazer. Coloco os pés descalços na calçada. Meu corpo se acostuma com o frio da madrugada. Começo a andar em direção à praia, os prédios me impedem de ver o oceano, mas eu sei o meu caminho.

Logo alcanço o velho banco e decido me sentar, como nunca havia feito antes. Um certo respeito por aquele velho deus ilumina minha alma. A madeira pútrida cheira tão bem.

Um caranguejo perdido passa entre meus pés, ele não parece se incomodar com minha presença, eu faço parte da praia? Ele a penas segue seu caminho, livre de pensamentos aterradores como os meus. O que eu estou fazendo? A essa hora na praia? Uma canção invade minha mente e eu sei que é a ela. Por que não um mergulho? A música pergunta.

Retiro minhas roupas e as deixo ali mesmo. Nu, entro no mar, sinto a água congelante bater em meu corpo, as ondas se quebram em mim, dançando ao meu redor. Com os pés sinto as algas no chão, Eu quero ir embora com o mar, quero cortar minha pele em corais e respirar como os peixes respiram.

Mas não importa o quão longe eu vá, ou o quão fundo eu mergulhe. As ondas me empurram para a terra, a doce canção ainda soa em meus ouvidos, mas não me chama. Ela me manda embora. Ela diz que está sendo bom, mas ainda não, ainda não é minha hora. Eu apenas aceito, e me deito no mar. Sendo abraçado por aquela realidade, por aquela imensidão que cobre o mundo. Por aquela mulher magnífica.

Então acordo na minha cama. Cansado, mas seco e vivo. Olho pela janela e o mar me olha como resposta, um segredo que nós dois compartilhamos. Me viro e vejo o espelho. O cabelo cheio de finos flocos de sal e de areia, a cama toda suja e molhada. Não sei como desgarrei daquele longo abraço gelado.

Preciso sair dessas paredes sufocantes. Quando abro a porta, ali está ela. Me olhando surpresa, o cabelo loiro toca livremente seus ombros, e o vestido em tons de azul e verde-mar. Ela sorri, os olhos castanhos brilham. Ela fala, com sua doce voz, apenas consigo balançar a cabeça, completamente abismado pelo que vejo em minha frente.

Se ela é o mar ou não, se ela é uma sereia ou não, jamais saberei. Sua voz parece me abraçar como um dia o mar também me abraçou.