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Monotonia azul

Sentado na mesa de cor mogno da cozinha, eu segurava meu copo americano de café quente. Ninguém gostava do meu café, era sem graça, água demais para pouco pó e nada de açúcar. Eu apenas havia me acostumado com o gosto. Eu realmente estava acostumado com coisas monótonas, sem vida e tristes. Parece drama, mas, conforme o tempo passa a gente se acostuma a não se importar.

A janela da cozinha me propiciava a vista da parede clara e manchada do prédio vizinho. Conseguia ver meu reflexo no vidro emoldurado pela cortina branca, meu eu em um fundo azul me encarava, ergui a sobrancelha.

Minha toalha de mesa era de crochê azul-claro, havia comprado de uma senhora muito simpática no metrô. Meu apartamento, vazio e sem graça, com um daqueles sofá-cama xadrez de azul e vermelho, que ganhei dos meus avós. Eu tinha um rádio preto muito velho, com toca fitas e entrada para CDs. Também tinha uma coleção enorme de vinis, tudo pego do meu pai, que ganhou da minha avó.

A maioria das minhas coisas eram velhas, coisas dos meus avós que me traziam boas lembranças da infância na casa deles. Desde a armação redonda dos meus óculos até o meu gato. Minha vó havia me dado Sr. Teórico quando eu tinha 10 anos, agora estou com 25 e o bichano com 15.

Seus pelos pretos aos poucos se tornaram cinzas e opacos. Sr. Teórico dormia muito no sofá-cama, as vezes quando eu chegava anoite do trabalho, nós brincávamos com seu ratinho cinza de pelúcia, sentados no chão de madeira. Ele gostava de comer lascas de tinta da parede, se enfiava no espaço entre o sofá e a parede e saia de lá com pedaços de tinta velha descascada. O gato mordia aquilo com tanta empolgação, eu sabia que fazia mal, mas não conseguia tirar aquela pequena alegria do Sr. Teórico.

Terminei meu copo de café, peguei minha mochila, meu maço de cigarro. Fiz um carinho na orelha direita do Sr. Teórico e desci os quatro lances de escada do prédio ate o clima frio da calçada. Comecei minha manhã entrando no ônibus lotado de pessoas entediadas com a vida, sentadas naqueles bancos azuis com padrões geométricos, encarando a paisagem.

Então, sorri pela primeira vez no dia para a mesma menina de cabelos azuis vibrantes que pegava aquele mesmo ônibus. E ela sorriu de volta.