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A verdade e o fluxo de consciência

Sentar no parquinho perto da minha casa havia se tornado algo como um hábito, me sentava em um dos balanços ou na gangorra então absorvia a luz das estrelas e da lua com o pensamento.

Sentia-me sozinho no mundo, com os pés na areia, e a mente no céu. O que me lembrava de estar na terra era o ranger do metal velho dos brinquedos do parquinho.

A depressão é algo difícil, ela vem quando você menos espera. E não dá para correr, não dá para correr para longe. A única opção é aguentar a porrada. E ficando aqui, de noite, nesse parquinho velho, é como eu aguento a porrada.

É escrevendo que eu aguento a porrada. É chorando toda noite, chorando aqui sozinho, com os pés na areia. Porque dói. Dói demais, é difícil de aguentar. É difícil quando você sente a dor da porrada no fundo dos seus órgãos, pegando na sua pele e queimando seus olhos.

Fico aqui, me entregando a devaneios, sobre minha depressão, sobre eu mesmo, sobre estar sentado sozinho em um parquinho velho cheio de metal enferrujado. Fico aqui misturando realidade com fantasia enquanto digito rápido o suficiente para segurar minhas lágrimas e ninguém perceber que estou chorando.

Aprendi em minhas aulas que esse tipo de escrita, na qual o autor entra em devaneios e fica seguindo apenas a linha do próprio pensamento se chama fluxo de consciência.

Afinal, a consciência do autor está em fluxo constante de transição. Palavras difíceis.

Sentado aqui, no parquinho ou na mesa do computador, lembro que nunca pensei que seria capaz de escrever algo na base do fluxo de consciência, mas aqui estou. E pensando bem, provavelmente já escrevi muitos contos com fluxo de consciência.

Creio que o fluxo de consciência é algo como um passeio pela mente do autor, um passeio um pouco confuso e sem guia, mas um passeio bem divertido, disso tenho certeza.

Dizem por ai que autores são criativos e interessantes, temos aquele estereotipo de autor: um rapaz bem-humorado, de óculos, que assistes filmes noir e lê Ulisses do James Joyce todo santo dia. Aquele rapaz que devora livros clássicos e se sente tão inteligente por ler os clássicos.

O engraçado é que uma vez eu li um negócio sobre adquirir conhecimento. Sobre expandir a criatividade, algo do tipo. E dizia sobre quanto mais informações novas nós adquirimos, mais inteligentes somos. Quanto mais livros, filmes, conteúdos de ficção que nos expões a situações novas nós consumimos, mais inteligentes ficamos.

Enfim.

Voltando ao início, onde não havia nada. Apenas um garoto, sentada no balanço do parquinho, que rangia conforme ele se mexia arrastando o pé na areia e olhando para o céu estrelado.

Ali, em alguma parte da minha cabeça, chega então um momento em que volto meus olhos ao chão, deixo de lado o céu estrelado e toda sua poesia para me concentrar no pequeno grão de areia, perdido dentre tantos outros pequenos grãos de areia, também perdidos.

Que é o que creio que sou, um pequeno grão de areia, perdido dentre tantos outros grãos de areia, que são as outras pessoas por ai no mundo. A verdade é que todo mundo está perdido, procurando um caminho pra algum lugar. Sendo assim, apenas um ser humano.